Assim que Jânio assumiu mostrou determinação em criar novas diretrizes para a aviação comercial. Comentava-se, na ocasião, que havia interesse ´por parte do presidente em salvar a Real, fazendo um negócio que desse resultado aos seus acionistas, especialmente a Lineu Gomes, então bastante adoentado. Era uma retribuição, ao apoio e gastos na campanha eleitoral. Berta estava em Nova York quando Jânio deu o ultimato: – Erapegar ou largar. Caso Berta não assumisse o Consórcio, seria criada a tão temível AEROBRAS, rechaçada pelo presidente da companhia gaúcha.
Esse mesmo argumento seria decisivo, anos depois, quando da mesma ameaça feita pelo governo militar no episódio da aquisição da Panair. Comunicado por Erik de Carvalho sobre a decisão do presidente, Berta não titubeou e deu ordens para confirmar a aquisição, deixando os valores e forma de negociação para a sua volta ao Brasil. Casualmente, ou mesmo por querer, Jânio aproveitou a saída de Berta para exigir a palavra final sobre o conturbado assunto.
A compra saiu caro para a Varig, feita em dinheiro vivo. Os interesses políticos aceleraram os entendimentos, deixando Berta sem opção para barganhar. Desconhecendo os meandros do acordo, ninguém entendeu porque a Varig pagou por uma empresa à beira da falência, quando tudo era apenas uma questão de tempo. Berta, pressionado por Jânio e esperando do presidente substancial ajuda e apoio, conforme prometido, antecipou a compra fazendo a Fundação gastar um dinheiro que não constava nos seus planos. O negócio foi fechado entre Berta e Lineu em pleno aeroporto Santos Dumont por quase dois bilhões de cruzeiros, ficando a Varig com 85% das ações – A Fundação já havia comprado parte (50% da Aerovias). Além do alto valor desembolsado somavam-se dividas diversas e problemas com a frota canibalizada incluindo a diversidade de equipamentos e encomendas indesejáveis feitas a última hora- uma verdadeira bomba.
Segundo declarações de Berta em documento enviado ao diretor geral da Aeronáutica Civil Brigadeiro do Ar, Henrique Fleiuss, depois apresentada em reunião do Colégio Deliberante da Fundação, logo que assumiu as rédeas do governo Jânio Quadros não demorou em convocar à sua presença os dirigentes da Real, Panair e Varig, destes exigindo que no mais breve espaço de tempo, formassem uma só companhia brasileira de transporte aéreo para o exterior, de cuja necessidade o haviam convencido as viagens que realizara ao redor do mundo. Nesse processo devia ser nacionalizada a Panair, pois desejava “que uma só asa brasileira e brasileira fosse, existisse”. E disse mais, “que era inimigo jurado da estatização e que em seu governo não se formaria uma AEROBRAS exceto se à tanto o forçassem os industriais com individualismo e incompreensões – que o governo pretendia cancelar os favores cambiais que vinham sendo concedidos à aviação civil do país, mas que, em contrapartida, lhe daria subvenção direta a fim de conservar as tarifas acessíveis ao público em geral. De nada adiantou, na hora, os esclarecimentos das dificuldades que execução de um programa dessa natureza acarretaria a todos nós.” Era necessário que a Panair, dentro de seis meses estivesse purgada de interesses estrangeiros para incorporar-se à empresa brasileira única internacional. Segundo Berta a ordem era essa. Por força da determinação iniciaram-se as negociações entre a Varig e a Real, como primeiro passo para formar-se uma só empresa para o exterior. Desse propósito resultou, pouco depois, o acerto em que a Varig compraria 50% das ações da Aerovias Brasil, conservava a segunda parte dessa propriedade para juntas tentarem resolver o problema das linhas internacionais brasileiras no continente americano e para o Japão.
Quando assim se dispunham as coisas, descobriu a Varig que o processo de decomposição do Consórcio Real havia avançado de tal maneira, que se tornava sem condições de participar ativamente do programa de expansão de uma grande empresa internacional, com dificuldades de manter no ar seus próprios aviões – seis meses não importava mais peças, com dificuldades financeiras e técnicas. O saneamento só poderia ocorrer com o afastamento de indivíduos cujo procedimento havia trazido ao estado de insolvência da empresa. Esse cenário ameaçava arrastar pera o fundo do torvelinho inclusive a Varig, acabando com a suposta tranquilidade dos seus dirigentes. Real vinha transferindo recursos do seu patrimônio. Em1961 estava falida. Tinha patrimônio negativo e sua compra era negócio que ninguém entendia, obrigando Berta a dar explicações na Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar a Crise da Aviação Comercial Brasileira, na Câmara dos Deputados. Para quem não conhecia a intimidade da negociação, a compra se oferecia como um mau negócio e o argumento dos empregos era demagógico. Nem Jânio, nem Lineu estavam preocupados com os mesmos e nada fizeram quando depois cerca de 1000 funcionários foram demitidos. Eles simplesmente saíram de cena. Lineu Gomes faleceu vítima de séria doença. Jânio Quadros renunciou emitindo uma frase de forma enigmática: “Fui vencido pela reação e, assim, deixo o governo”. Restou para a Varig, sob o comando de Berta, descascar o abacaxi, transformando com esforço inaudito e muito talento um grande problema numa solução vitoriosa.
Ao entrevistar o Cmte. Bordini para a revista Contato da APVAR vieram à tona fatos lamentáveis sobre o estado em que encontrava a Real e como os problemas foram sanados por Berta, em tempo recorde. Em fins de 1960, Rubens Bordini foi eleito vice-presidente da Fundação dos Funcionários, sendo nomeado vice-presidente da Varig, indo atuar em São Paulo. Ele começou a viajar ao longo das linhas internacionais de Los Angeles a Miami- Encontrei tudo em tal estado de abandono e desorganização, que resolvemos cancelar a linha para Tóquio e suspender as operações para os Estados Unidos, relatou ele. Com a aquisição das ações do Consórcio Real Aerovias Nacional – Aeronorte, Bordini passou a comandar o sistema, atuando em São Paulo de 1961 até1963, quando da extinção do Consórcio. A Varig foi dividida em RAI (Rede Aérea Internacional) e RAN ( Rede Aérea Nacional) com a liderança de Berta. Quando foi criada a Varig RAN o principal trabalho de organização estava feito, com as situações de tráfego e finanças bastante melhor. Berta conseguiu vender bem os CV- 340 e os CV-440 da Real e renegociou os Electra II. Em 1965, Bordini aposentou-se voltando ao Rio Grande do Sul, onde continuou prestando colaboração a Varig na área de ensino. Por sua vez, a aquisição da Real representou um passo fundamental para a afirmação da Varig no contexto internacional. Junto veio uma série de dificuldades que Berta soube transformar em oportunidades, fazendo da Varig, uma gigante da aviação comercial brasileira, ajudada por aviões, herança da Real, considerados indesejáveis na avaliação de Berta que, no entanto, tornaram-se protagonistas dos acontecimentos…
Gostou desse artigo?
Gostaria de saber mais, dar sugestões, elogiar, criticar ou contar uma história sua com a Varig?