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Mês: Janeiro 2024

FILHOS BASTARDOS (PARTE 2)

FILHOS BASTARDOS (PARTE 2)

VARIG COMPROU A REAL – UMA COLMÉIA SEM MEL

1) Eram milhares de funcionários desnorteados, sem rumo certo, como abelhas perdidas, sem Zangão  e nem Rainha, sem produzir mel.

2) A aquisição da Real Aerovias pela Varig, pressionada pelo  então presidente Jânio Quadros,(contando com promessas de ajuda) levou a Fundação, comandada por Berta, a comprar a  empresa, como  “nabos em saco”. Pagou por uma  organização gigantesca, à beira da falência, preço elevado (em dinheiro vivo) numa transação difícil de explicar. Lineu Gomes, enfraquecido por séria enfermidade, abandonou o barco, que ficou à  deriva. A Varig tinha sido escolhida pela sua boa administração, única capaz de absorver o contingente humano da operação, evitando uma tragédia social sem precedentes, com  o desemprego em massa de mão-de-obra qualificada, pondo em risco o futuro do sistema da aviação comercial no Brasil, incluindo a própria Varig.

Berta levou a Real como quem compra “nabos em saco”.

3) Em fins de 1960, Rubens  Bordini foi eleito vice-presidente da Fundação dos Funcionários, sendo nomeado vice-presidente da Varig. cabendo-lhe a difícil missão  de sanar as dificuldades que assoberbavam Berta, tornando-se  o calcanhar de Aquiles –  onde a grande parte do  pessoal emergente da Real regurgitava e merecia por isso uma atenção especial, sob pena da integração almejada por Berta jamais ser alcançada. A  parte podre do abacaxi estava onde o maior contingente dos “filhos bastardos” proliferava. Transferido para São Paulo, recebeu a missão de enfrentar o problema que mostrava-se preocupante.

4)Quando assim se dispunham as coisas, descobriu a Varig que o processo de decomposição  do Consórcio Real já havia avançado bem mais longe do que  supunham as mais pessimistas expectativas. Segundo Bordini me revelou, em matéria publicada na revista Contato da APVAR que eu editava, a situação era dramática – “Existiam  dividas antigas a pagar. Muita gente descontente. Desconfianças. Falta de apoio. Dificuldades agravadas por receita insuficiente. Os estoques das peças estavam esgotados. Os aviões em estado lastimável. Muito pessoal técnico sem o treinamento adequado.

5) Quando criou a  RAI (Rede Aérea Internacional) tendo a mão de Berta no comando. com dedicação total a Varig voava na busca da excelência, para conquistar o mundo. A frota da Real, integrada a Varig,  necessitava de ajustes pesados,(logo providenciados) enquanto seu pessoal técnico e tripulantes, enquadrados nos quesitos da Varig,  tornavam-se, com o tempo, prestimosos colaboradores integrados no corpo de elite da Pioneira.- formando sem atrito – um grupo monolítico, ajudando a trazer resultados positivos no esforço capaz de vencer os desafios da expansão da malha, alcançando Lima,  Bogota, Caracas, México, Miami e Los Angeles – ao mesmo tempo que alavancava subsídios para a  Fundação dos Funcionários melhor exercer sua função social, dando atenção  ao problema que lhe causavam inquietação. Por sua vez a RAN ( Rede Aérea Nacional) capitaneada por Rubens Bordini  dava seguimento ao trabalho pioneiro, durante dois anos, capaz de transformar o limão azedo numa doce limonada,

 

 
FILHOS BASTARDOS (1/2)

FILHOS BASTARDOS (1/2)

INICIALMENTE, PARA O PESSOAL  DA VARIG, QUEM VINHA DA REAL  ERA  CONSIDERADO FILHO BASTARDO  (CONCEBIDO FORA DO CASAMENTO) 

QUEBRAR ESSE TABU REPRESENTAVA MISSÃO INGLÓRIA PARA BERTA E LHE TIRAVA HORAS DE SONO  ( ELE JÁ ERA INSONE POR NATUREZA)

As máquinas se ajustavam com perfeição  –  mas as pessoas não eram máquinas.

Falando aos membros do Colégio Deliberante, em dezembro de 61, Berta confessou sua preocupação quanto a absorção do contingente humano que representava aquisição da Real Aérovias, pedindo a colaboração de todos ao intrincado assunto que lhe causava preocupação – até que ponto a Fundação seria atingida com o ingresso tão elevado, na missão de distribuir as mesmas benesses que norteavam sua existência e como seria aceita tamanha introdução, capaz de por em risco os méritos conquistados?

No episódio da compra da Real, a Varig tornou-se a única companhia aérea brasileira a dominar o mercado nacional,  onde a Real dominava, num “avanço desmesurado, ainda fora de tempo” capaz de causar alguma dificuldade no manejo dos negócios- enfim, estava-se invertendo o adágio popular -” O menor engole o maior.”

Berta não queria, querendo. A aquisição desordenada de uma empresa de grande porte –  a beira da morte –  representava figura capenga do menor engolindo o maior, obrigando Berta a fazer “das tripas o coração” Na enorme operação  que transformou a Varig regional em gigante, muita água rolou pela ponte, novela escrita  em capítulos históricos, digno de romance, que eu iria acompanhar de perto.

Fora admitido na Varig em julho de 54, já vivendo a experiência do suicídio de Vargas e quanto tudo isso representava para a Varig. Em 1958, tendo Berta com pulso de ferro defendendo os interesses da Varig, segui de perto  o desfecho de uma refrega entre dois gigantes da nossa aviação comercial – o líder da Varig, rebatendo ataques recebidos de Lineu Gomes, tendo frase lapidar de repercussão na mídia – ” Nem as dificuldades, nem malícia, porém, conseguiram acorcundar a Varig  (em alusão ao concurdinha símbolo da Real) que manteve o Ícaro (símbolo da Varig) de peito ao vento e de cabeça erguida, bem representando o espirito da companhia e  caráter dos seus homens”.

Em 31 de dezembro de 1961, Berta fez uma declaração histórica perante os membros do Colégio Deliberante da Fundação, esclarecendo em detalhes e oficialmente, o episódio da compra da Real: “Atendendo a um apelo do ex-presidente Jânio  Quadros, entrou a Varig em entendimentos com suas congêneres internacionais no sentido de um maior entrosamento das linhas exteriores, do que resultou primeiro na compra de 50 % das ações da Aerovias Brasília e mais tarde a aquisição do  Consórcio Real. através da Fundação. Assim, a cargo da Varig,ficaram cerca da metade do volume dos transportes domésticos e cerca de 60% do volume das linhas internacionais brasileiras. No discurso de 62, afirmava Berta- “terá de ser reestruturado esse  enorme organismo que tem linhas desde a América do Sul, para vários pontos dos Estados Unidos até a Ásia e no qual funcionam cerca de 100 aviões e trabalham mais de 10 mil funcionários”.

Segundo Berta, a Fundação intervirá no assunto através do controle de 50% das ações da Varig. “O empenho em que a Fundação terá que se esmerar  nos próximos anos, será o de criar serviços substanciais dentro da organização da Real, cujo funcionalismo deve vir a gozar dos mesmos benefícios que atingem o pessoal da nossa empresa”. Berta tornava público, pela primeira vez, a revelação de um fato que lhe trazia enorme aflição, capaz de envolver a Varig num  beco sem saída” Como se daria a absorção de um contingente tão volumoso, heterogênico, desgastado por constantes mazelas internas, reforçadas por discussões públicas entre seus líderes, incluindo dificuldades no âmbito trabalhista. Eram detalhes que se bateriam com o espírito disciplinado, obreiro,  do seu pessoal –   e até que ponto a Fundação seria atingida na difícil missão de distribuir para os” filhos bastardos” as mesmas  benesses, oriundas de vida sem atribulações, garantindo, até então, continuidade de uma existência  incapaz de empobrecer a raiz ?

ÚLTIMOS MOMENTOS

ÚLTIMOS MOMENTOS


A morte de Berta 

As homenagens póstumas tiveram inicio em pleno hangar da manutenção no Aeroporto Santos Dumont , superlotando suas dependências seguindo o corpo na parte da tarde para Porto Alegre, onde seria sepultado.

Berta manteve-se consciente, sabendo que seus últimos momentos tinham chegado. Tudo o que a equipe médica alertava, finalmente aconteceu – O coração do jovem guerreiro havia dado seus derradeiros sinais de enfraquecimento, numa luta inglória, marcada pela presença do derradeiro infarto que o tiraria, definitivamente, do nosso convívio. A decisão de passar o bastão para seu sucessor estava tomada. e seria anunciada na reunião do Colégio Deliberante da Fundação dos Funcionários, em Porto Alegre – que ele preparava naquele domingo, com grupo de auxiliares. Esta seria sua derradeira contribuição num ciclo de trabalho que parecia não ter fim – sua derradeira mensagem aos auxiliares que o cercavam foi incisiva – A VARIG NÃO PODE PARAR !

Médicos alertaram que o presidente da Varig não sobreviveria ao excesso de trabalho  – O 4º infarto venceu!

A manchete (ZH) acertava na mosca. Berta faleceu em seu gabinete de trabalho na presidência da Varig, avenida Silvio Noronha,365. A morte foi quase imediata apesar da pronta assistência do serviço médico da Varig e do seu próprio cardiologista, deixando todos nós, da Varig, em estado de comoção. Como era de hábito, Berta chegou a sede da empresa às 8 horas da manhã, passando a despachar normalmente. Embora se queixasse a alguns auxiliares mais íntimos que “se sentia um pouco cansado, estafado mesmo”,  continuou trabalhando até o meio-dia, quando almoçou no próprio gabinete, pois estava organizando o balanço das atividades da empresa, com vistas para o próximo ano. Preparava-se, também, para uma reunião à noite mesmo, quando discutiria assuntos ligados ao fim do presente exercício e as festas dos funcionários da Varig neste Natal.

Às 17 horas Ruben Berta sentiu-se mal. confessou-se tonto e chegou a preocupar suas secretárias, Nílvia e Valência. Foi providenciada a presença  do doutor Fernando Dias Campos do Serviço Médico da empresa, enquanto o   cardiologista particular de Berta, dr. Genival Londres, da Clínica São Vicente, era chamado às pressas. Há alguns anos o presidente sofrera um inicio de enfarte, ficando hospitalizado. O cardiologista providenciou um eletrocardiograma, ao tempo em que Ruben Berta dava instruções aos seus auxiliares para que mantivessem os trabalhos em  rÌtmo de rotina, salientando que a Varig não podia parar.

O Vice-presidente, Erik de Carvalho  (que assumiria provisoriamente o lugar deixado por  Berta), anotava todas as instruções e ouvia, atentamente, os últimos pedidos que este lhe fazia no sentido de sempre projetar o nome da Varig e acelerar todos os planos com vistas ao futuro, particularmente e incorporação de três novos jatos Boeing esperados para os próximos dias. Estes aviões iriam completar a frota da Varig, ligando o Rio a Europa em voos diretos.

Berta levou Erik até a fabrica da Boeing onde a empresa havia adquirido três Boeing – 707-300, passando ao futuro presidente as tratativas da aquisição- (doisforam entregues em 28 de dezembro de 1966 e um terceiro em março de 1967.

Às 18 horas presidente da Varig ante a consternação geral de todos os seus auxiliares que o assistiam, faleceu. Ele morreu sem ver a esposa e filhas, tão rápido sobreveio a morte após o enfarte. Chamada às pressas em seu apartamento no Leblon, Dona Wilma chegou após três minutos do marido expirar. Segundo os colegas presentes nos seus últimos momentos, inclusive os médicos, ele estava consciente que não sobreviria ao ataque que o acometera. Manteve-se lúcido até o último instante, só lamentando não ter completado seu maior sonho, que era o de fazer a Varig dar a volta ao mundo, fato previsto com a ligação Los Angeles – Tóquio, para agosto de 1967. A partir daí pensava em retirar-se das suas atividades e  ” cuidar do gado e das galinhas” seu maior entretenimento nas raras horas de folga, pois não parava um momento, viajando constantemente para todas as partes do mundo.

A MORTE DE BERTA

A MORTE DE BERTA

 

“O dia amanheceu tristonho e uma chuvinha miúda caia de quando em vez. A natureza parecia chorar a morte do grande líder. Parecia sentir conosco a dor irreparável de sua perda. Ruben Berta havia morrido. Em pleno gabinete de trabalho. Dera suas  últimas forças para a grandeza da Varig, razão quase que plena de sua maiúscula existência. Tombara o grande “capitão” entre os papéis de sua escrivaninha.

Sua morte abalou o mundo. Foi prematura e antecipada para todos nós, que nunca cansamos de admirá-lo e respeitá-lo, na certeza de que  jamais deixaremos de lembrá-lo na morte. Velado nas dependências do hangar da manutenção, no aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, até as primeiras horas da tarde, teve seu corpo transladado para Porto Alegre, onde foi sepultado.

A recepção ao querido “velho” foi algo tocante e memorável O próprio Sol, que antes se havia escondido em nuvens negras, aparecia, então, límpido no céu,  iluminando com seus raios coloridos o comovente espetáculo. Era, sem dúvida, a grande e última homenagem que todos prestavam perante  corpo, agora inerte,   do baluarte da nossa aviação comercial. Próximo da aeronave centenas de funcionários da empresa, com seus uniformes de trabalho, representavam os diversos setores, nesse derradeiro instante de dor e sofrimento. Uma guarda de honra da FAB fez a saudação póstuma, quando o corpo de Ruben Berta foi retirado de bordo da aeronave.”

O número de acompanhantes era tão grande, que o carro mortuário já se encontrava no Cemitério da Azenha, e ainda partiam veículos dos Estaleiros da Empresa, em São João, no outro extremo da cidade, formando uma extensa e interminável fila, paralisando o transito na cidade. Durante o trajeto e mesmo quando das cerimônias do sepultamento, aviões da Varig e da Força Aérea Brasileira realizavam evoluções sobre o Cemitério Luterano, que tornou-se pequeno para receber tanta gente. Gente que representava ricos e humildes, sem distinção de credos e crenças, simples operários e poderosos políticos, unidos  numa mesma oração.

A morte de Berta traumatizou e compungiu a todos. Não somente os funcionários da Varig e seus amigos mais próximos, foram atingidos pelo doloroso acontecimento. Na realidade o Brasil todo sentiu a perda deste notável administrador que soube dar ao  nosso País uma posição de vanguarda. no cenário internacional no âmbito aeronáutico.. Os principais  órgãos de imprensa internacional, abriram manchetes, em espaço nobre de primeira página, solidários com a dor dos brasileiros, destacando o valor de Berta no contexto da aviação comercial e sua atuação de liderança, mesmo ainda jovem (59 anos) destacando-se por personalidade inteligente, forte e dinâmica, com relevante sentido de grupo.

A bordo do histórico Boeing PP-VJA, o corpo de Berta foi recebido no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, pela Guarda de Honra da FAB e funcionários da manutenção de pista da Varig vestidos com seus jalecos de serviço

De outra parte, desde da divulgação do falecimento do diretor – presidente da  Varig,  impressionante número de telegramas e mensagens de condolências começaram a chegar das maiores cidades da América Latina, América do Norte e Europa  onde a Varig tinha linhas  A direção da Cruzeiro do Sul, por sua vez, teve um gesto que emocionou a todos os variguianos, pondo à disposição dos seus funcionários dois aviões “Caravelle””  para acompanharem Berta até a sua última morada. Igualmente foi fantástica a quantidade de “Corbeiles” recebidas. As flores foram depositadas sobre  o túmulo de Ruben Berta, formando uma pirâmide tão enorme e colorida   que sobrepujava, em tamanho e beleza as mais altas árvores que circundavam o Cemitério. A mídia eletrônica também se fez presente  com imensa cobertura de rádio e televisão.

O corpo de Berta foi conduzido em sua ultima morada por comandantes ligados a APVAR (Associação de Pilotos da Varig) em nome dos seus colegas. O trajeto do Parque de Manutenção da Varig ao Cemitério da Azenha ,ocupou todos os espaços tal o numero de carros que formavam extensas filas dificultando a rotina do trânsito em Porto Alegre

A beira do túmulo  foram prestadas as mais tangentes  e significativas homenagens a Ruben Berta – inúmeros oradores se fizeram ouvir tecendo considerações sobre a personalidade do presidente da Varig e sua obra magnifica. O discurso final coube ao dr. Adroaldo Mesquita da Costa, num emocionado improviso , falando em nome da Varig e seus colaboradores. Lembrou da atuação de Berta para o engrandecimento da companhia –  abordando o assunto conforme o momento exigia expressando-se  em inglês, francês, alemão, italiano – espanhol e português.

Lembrou de momentos decisivos, dos encontros com chefes de Estado, nos congressos da IATA e debates vitoriosos. encantando plateias e os mais altos dirigentes do país, defendendo suas posições sobre  o futuro da nossa aviação comercial, apontando divergências e dando soluções. Mesquita da Costa concluiu com uma frase lapidar –  “Berta foi um homem genial, que se fez por sí mesmo, enobrecendo a raça humana”.

Este texto foi escrito sobre incontida emoção em dezembro de 1966, tendo recebido premiação da ARI ( Associação Rio-grandense de Imprensa), na modalidade House Organ, -“por seu estilo refinado, num momento doloroso aliado a iniciativa de não perder a oportunidade, criando um Suplemento na revista interna Rosa dos Ventos” –  que ficou na história. ( Mario de Albuquerque)