Na mesma época de Jean Mazzon e Orlando Machado, outro fotógrafo fez sucesso como “freelancer”, trabalhando em Porto Alegre, para a Varig – Salomão Platcheck tornando-se colaborador incansável do setor de Propaganda. Ele estava sempre disponível para atender qualquer chamada, dando prioridade para o meu grito, sempre de última hora, não importando a distância, o dia e a hora. Certa vez, conta a lenda, foi-lhe dada a incumbência de fotografar o Parque de Manutenção. Desejando produzir um trabalho de alto nível, com ângulos inéditos, ele sugeriu uma cobertura aérea. Prontamente, impressionados com seu profissionalismo, conseguimos liberar um dos aviões monomotor da EVAER, que sobrevoou um bom tempo sobre a área escolhida.
O dia estava lindo, ensolarado. O céu azul de brigadeiro montava o cenário ideal para o êxito do trabalho.- Salomão e sua máquina (Roleiflex) pronta para disparar a bordo. No pouso ele vibrava, na certeza de ter cumprido com êxito sua missão, compensando toda a logística envolvida. Na verdade, o resultado nunca apareceu. O comentário maldoso era de que ele havia esquecido de colocar o filme na máquina – incapaz de fazer milagres sozinha. Mas o mais provável era de que na hora da revelação o filme tenha sido velado, coisa nunca esclarecida, obrigando o fotógrafo “fajuto” a subir em escadas, escalar paredes, para do alto conseguir, finalmente, o melhor ângulo para sua obra de arte.
Brincadeiras a parte, Salomão foi um colaborador prestimoso ajudando a Varig manter um arquivo histórico, deixando gravado para a posteridade momentos importantes, por mais de uma década. Ele ficou conhecido pela descontração – na ânsia de levar avante sua missão, quebrava o protocolo, caso necessário. Fazia as personagens envolvidas repetirem os gestos, quando na solenidade do corte de fita simbólica, sem a menor cerimônia, parando o evento, dando ordens, que eram seguidas sem pestanejar – todos queriam sair bem na foto, considerando o Salomão um mestre na missão de fotogravar todos sorrindo, num ambiente de felicidade total.
Salomão Platcheck, prestou seus serviços na Varig desde os tempos de Berta, de quem recebia benesses e carinhosa e respeitosamente chamava de “velho” integrado, como todos nós, na “grande família Varig,” considerando-se filho adotivo.
No tempo dos F-13, a Varig tinha um comandante “égua madrinha” (pessoa que reúne ao seu redor outros, a quem aconselha quanto ao modo de proceder) – Nessa época, segundo Rubens Bordini, voava muito com o comandante Xavier Greiss – um alemão que não podia atuar como comandante aqui no Brasil. Conseguira licença de mecânico de bordo e voava junto com os pilotos novos. Como os Junkers F-13 eram aviões lentos- 150 km//h – qualquer ventinho contra representava sério transtorno. Por isso ele exigia que os voos fossem feitos em baixa altitude onde o vento era mais fraco.
Os F-13 tinham cabine de comando aberta. O piloto voava na chuva e no frio. O comandante Greiss usava um macacão de couro, que trouxera consigo dos tempos em que fora piloto de hidroavião, na guerra de 1914/1918. Esse macacão era tão seboso, que parava de pé sozinho. Seus bolsos começavam na altura usual e iam até o tornozelo. E todos os OAM (Boletins Meteorológicos) que Greiss recebia metia-o nos bolsos há anos.
Certa vez, conta o nosso entrevistado-“estávamos em Bagé, com o pior tempo possível e íamos cruzar a Serra para Pelotas. Ao embarcarmos, Greis retirou o papel do bolso e disse, com seu sotaque arrevezado – : “O tempo está bom em Pelotas, Vamos subir, voar por instrumento cerca de uma hora e descer sobre a Lagoa dos Patos onde o teto é alto. Dito e feito. Só que o tempo não estava bom e conseguimos contato apenas a 50 metros, com chuva e nevoeiro. Foi uma parada difícil achar o aeroporto de Pelotas. O Greiss espumava de raiva contra o agente que lhe fornecera aquele boletim.E quando foi reclamar do OAM em punho verificou que o mesmo datava de dois anos atrás (e deveria estar todo esse tempo arquivado nos seus bolsos)
Conforme Bordini , em 1943, Berta descobriu e comprou três aviões que estavam parados no Brasil, buscando expandir seus voos.O mais avançado era ,um bimotor De Havillam tipo Dragon Rapid para seis passageiros e um mecânico radio – operador que sentava atrás do piloto. O avião voava em cruzeiro, alcançando a velocidade de 200 km/h Bordini contou que com esse avião, batizado de Chuí, foi inaugurada e mantida a linha Porto Alegre – Montevidéu , Era um avião equipado com Rádio – Goniômetro. Berta então resolveu confeccionar e publicar seu primeiro ( e único) manual técnico “Como operar o Rádio — Goniômetro Marconi (do avião Chuí) O texto foi elabordo pelo Cmte Ruhl, os desenhos por Voelcher, a revisão técnica pelo Peixoto e a revisão final por Ruben Berta – um verdadeiro time de peso- No fim vinha uma desilusão – RECOMENDA-SE NÃO USAR O GÕNIO MARCONI.
Nessa entrevista, o Cmte. Souza Pinto, assim como Bordini, para ilustrar como era o voo na época dos F-13 com o Cmte Greiss, contou alguns episódios que garantia não ser lendas nem,exageros; ” Voltávamos de um voo no interior e na etapa final de São Gabriel para Porto Alegre, o tempo estava muito ruim. Tivemos que abandonar o voo por contato e subir dentro das nuvens para uma altura segura e o mais baixo possível evitando os morros e ao mesmo tempo procurar ver o solo e obter alguma orientação. Nada conseguimos enxergar a não ser muita chuva e nuvens. Chegava a hora de iniciarmos descida para Porto Alegre e não era possível ver uma nesga sequer do solo. Foi então que o comandante Greiss disse: “Pode descer, estamos sobre o Arroio dos Ratos. Perguntei eu-“Como sabe? Estou sentindo o cheiro das Minas de Carvão e elas só existem nessa região. Pode descer descansado. E assim foi. Quando conseguímos contato como solo, a pouca altura, estávamos já em terreno plano nas proximidades da cidade.
De outra vez voávamos dentro das nuvens e tivemos que descer até conseguirmos contato como solo para nos orientar. Estamos na rota, disse Greiss, logo que avistou o solo. Como sabe? perguntei curioso, pois não havia visto uma referência sequer. O gado não está fugindo do avião. Se estivéssemos fora da rota o gado correria por não estar habituado com o barulho do motor, ensinou ele. Aprendi, assim, mais um método de navegação que não estava nos livros voo por comportamento vacum, sentenciou Souza Pinto
FRANZ NUELLE – HERÓI LENDÁRIO DA HISTÓRIA DA VARIG
Convivi com Franz Nuelle, fechando um ciclo que marcou minha vida com todos os heróis históricos da Varig, e entrevistá-lo para o Boletim do Museu ( N.20/82) foi momento marcante. Até então, para mim, ele aparecia citado nos recortes dos jornais antigos – de repente estava ali, em carne e osso, completando uma saga que me tornava especial como porta voz de uma personagem incrível, que marcara época dando vida à Varig nos tempos do pioneirismo. Reverenciá-lo para o mundo da aviação foi um feito digno de registro.
Em 11 de janeiro de 1927, Otto Meyer voltou de Hamburgo trazendo documentos que confirmaram a imediata disponibilidade do comandante Rudolf Krammer Von Clausbruch, da Lufthansa, e do mecânico de bordo e segundo piloto, Franz Nuelle, da Scadta ( hoje Avianca) para o quanto antes iniciar um serviço regular em Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande – Linha da Lagoa, pela primeira empresa aérea brasileira. Eles vinham trazendo o hidroavião Atlântico como parte acionária da incorporação da Varig. Foi distribuído um folheto impresso na livraria do Globo, com relatório à fundação da Varig e o projeto do Estatuto, este elaborado pelo dr. Adroaldo Mesquita da Costa, que viria a ser mais tarde ministro da justiça do governo do Marechal Gaspar Dutra, tornando-se figura notável deste episódio.
No Museu, a presença de Franz Nuelle ficou marcada. A entrevista com o comandante pioneiro da Varig rendeu um crescimento significativo para o acervo, revelando momentos até então perdidos no tempo. Portador de diversas condecorações, seus feitos levaram – no a receber do governo colombiano a mais alta distinção oferecida no país – Cruz de Boyaca e outras tantas. Em julho de 1977, comemorando o cinquentenário do primeiro voo da aviação comercial brasileira, realizado na cidade de Rio Grande, lhe prestou diversas homenagens, entre elas outorgando-lhe duas placas de bronze alusivas ao feito histórico vivido na região .Foi considerado sócio honorário do Sindicato Nacional dos Aeronautas e Patrono da APVAR (Associação de Pilotos da Varig).
Deflagrada a revolução de 30, com a presença de Getúlio Varga, e Oswaldo Aranha, o governo do Estado requisitou os aviões e a tripulação da Varig. Na atividade, Nuelle e Oswaldo Aranha, realizaram diversas incursões a serviço dos revolucionários, não só no território gaúcho mas também no Rio de Janeiro, na época capital federal, além de Montevidéu e Buenos Aires, aliciando aeronaves, pilotos e farto material de munição para a causa liberal.
Cessada a revolução a Varig buscou retornar as suas atividades regulares, mas lhe faltavam condições, coisa que somente viria a acontecer quando o presidente do Estado, General Flores da Cunha, cumpriu a promessa de apoio incondicional, repassando subsídios, junto com a aquisição de dois Junkers F-13, dando o impulso prometido que teve o último capítulo com a concessão de Vargas para a linha de Nova York, pioneirismo realizado pelo Caravelle em 59, lançando a Varig para o mundo.
Em 1931, Nuelle sofreu acidente de consequências trágicas, com a morte do acompanhante, causando-lhe sérios ferimentos com as duas pernas quebradas resultando na amputação de um pé, substituído por uma prótese. Fazendo a função de instrutor ensinava o aviador João Carlos Gravé, candidato a uma vaga na Varig – rota do Correio Aéreo. Nuelle, alojado na poltrona traseira,assumiu o comando do Junkers A-50, prefixo P-BAAE (primeiro avião terrestre da Varig) Em Rio Grande, durante a decolagem, o mapa de bordo caiu por uma fenda da madeira, bloqueando desse modo seu manche. Tal incidente, apesar de todos os esforços do comandante da Varig, ocasionou a queda do pequeno aparelho, na ilha dos Mosquitos, com perda total. Ficava então a Varig, sem avião e sem piloto, devido a incapacidade física do seu único comandante.
Franz Nuelle abandonou a aviação, voltando para a Alemanha, por onde permaneceu em tratamento de saúde, recluso, vivendo praticamente no anonimato por longo período. Nesse ínterim passou a receber da Varig uma ajuda de custos, oferecida por Berta, pelos relevantes serviços prestados a aviação comercial no Brasil, em especial à Varig, complementada pela Lufthansa. Já refeito, resolveu junto com a esposa retornar ao Brasil, onde deixara um grupo seleto de amigos, passando a residir na vizinha cidade de Canoas, para logo em seguida criar o Táxi Aéreo Guarany, com sede junto ao aeroporto Salgado Filho. O velho guerreiro voltava ao ninho antigo cercado pelo afeto e reconhecimento daqueles que nunca esqueceram o seu valor.
BERTA APROVEITOU A DATA PARA LANÇAR UMA REVOLUÇÃO NO ATENDIMENTO
Surgiram então ideias espetaculares e inovadoras, copiadas até hoje no mundo da aviação
Aos 21 anos, completando a sua maioridade, a Varig reforçou o desejo de ser parceira na expansão comercial do sul do Brasil. E festejou com a seriedade que o fato requeria. Buscou, explicitamente, um acordo com o empresariado gaúcho. Com uma avançada proposta no transporte de carga, em quantidade industrial, oferecendo ao mercado diversas modalidades de embarque – inovação, com preços convidativos, em voos exclusivos.
.Lançou, também, uma série de promoções na área comercial. Uma delas, que alcançou repercussão, foi a criação do Cartão de Crédito, utilizado por funcionários das empresas que usavam os aviões a serviço, evitando o desembolso imediato dos valores. As passagens poderiam ser requisitadas por telefone, uma novidade na época, sendo entregues nas empresas ou á domicílio, facilitando a compra. Normalmente, uma condução da Varig buscava o passageiro em casa. Além do aspecto de comodidade e RP, garantia a saída regular de cada voo, evitando o desagradável atraso..
Berta lançou também. Num gesto inovador a Caderneta Quilométrica, que oferecia descontos significativos aos usuários (clientes fiéis) – antecedendo em décadas ao uso do Smille, hoje instituído pelas grandes companhias no mundo.. Em folheto criado na época, todas estas vantagens eram oferecidas, aproveitando a frota dos DC-3 com 21 passageiros, ou 28, em Serviço Popular (outra inovação) e o Curtiis Comando de Luxo para 37 passageiros, ou 46, em Versão Popular.. Em 1948, Berta inovou fazendo uma revolução no uso dos aviões, reduzindo o valor da passagem, aumentando o índice de aproveitamento. Tinha, ainda, os Lockheed Electra para 10 passageiros, além de uma frota de cargueiros, para 3 e 5 toneladas. Na propaganda, o texto dava ênfase à alimentação servida a bordo, sempre farta e saborosa, preparada em cozinha mantida pela Varig.
Com o crescimento, muitas vezes, os voos relativamente rápidos enfrentavam dificuldades de deslocamento em terra, até o destino final. Em busca de uma solução imediata para o problema, Berta idealizou o “Serviço de Limusine” a preços coletivos, que passaram a atender todos os aeroportos servidos pela companhia. No folheto, Berta não perdeu a oportunidade para reverenciar seus funcionários, lembrando que a empresa mantinha um padrão de organização sadio, fator decisivo para o seu engrandecimento. Mostrava, ainda, a qualidade do atendimento a bordo e em terra. Valorizava o elevado padrão das oficinas técnicas, com uma manutenção perfeita, reverenciando o qualificado preparo dos tripulantes, e o alto índice de pontualidade dos voos.