Para os pilotos brasileiros, em aprendizado, voar em Planador era encontro com deuses –
Para Berta não era tudo isso.
Finalmente, Berta mostrou seu ponto fraco depois de voar no Biguá e fazer pouso forçado – num misto de raiva e pavor – “Onde diabos vocês foram arrumar um cabo tão vagabundo?” Depois deu dor de barriga e ele nunca mais quis voar em Planador – coisa que não acontecia na formação dos pilotos brasileiros. Para eles, voar de Planador era um encontro com os deuses.- para Berta nem tanto.
Segundo Dinis Campos, primeiro secretário da VAE, me revelou em entrevista para o Boletim do Museu, Ruben Berta voou uma só vez no Biguá sob o comando de Ruhl. Logo na primeira curva a menos de 100 metros de altura, o cabo do reboque quebrou, Graças a perícia do piloto, o planador passou entre uma árvore e uma casa e pousou numa faixa de terreno baldio. Depois deste acontecimento Berta nunca mais quis saber de Planador. Num grande esforço de toda a equipe de colaboradores, em especial com a ajuda do colega Jaime Meneghini o Biguá foi recuperado, assim como o Gaivota, tempos depois, colocado em exposição no teto do Museu, tornando-se uma das maiores atrações do local. O avião que foi construído em 1938, na VAE, ficou notabilizado entre outras peripécias, pelas demonstrações que fez na Parada da Mocidade e nas comemorações do Dia do Aviador. No entanto, ele serviu, especialmente, como instrumento de formação para treinar inúmeros pilotos, que chagaram a tripular os modernos jatos da empresa.
A formação dos pilotos brasileiros era uma exigência do governo do Estado, então o maior acionista da Varig. Com os planadores construídos na VAE, Otto Meyer deu início a grande aventura. Logo que foi criada a Varig procurou formar pilotos brasileiros. Existia uma preocupação por parte de Meyer neste sentido. Com a organização da VAE ( Varig Aéreo Esporte) em 1937, após Carlos Ruhl haver realizado diversos cursos na Alemanha, a empresa passou a divulgar a viação desportiva com o uso de planadores construídos em suas próprias oficinas,
O Gaivota e o Biguá marcaram época, participando de diversas apresentações públicas. Com o Biguá eram feitos diversos voos de propaganda e passeios com autoridades, convidados especiais e imprensa. Ruhl fez as mais lindas acrobacias que já havíamos visto, O Interventor Federal , Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, voou no Biguá, recordado por ele “como uma das maiores sensações de sua vida” Em 1943 o Ministro Salgadp Filho também gozou dos prazeres do Biguá.
O cenário dos anos 60 foi rico em figuras notáveis como Ruben Berta, sempre pioneiro com sua Varig, já pensando em dar a volta ao mundo – Assis Chateaubriand, ampliando o reino da comunicação com os Diários Associados inaugurando o advento da televisão no Brasil e Juscelino Kubitschek, construindo em tempo recorde o milagre de Brasília introduzindo no Pais a era da modernidade definindo, na somatória das forças, a obstinação dos vencedores
Eles guardavam características. Assemelhavam-se, transformando ideais em metas para serem alcançadas.. Qualquer cochilo era suficiente para revigorar forças e manter olhos bem abertos, não importando tempo e espaço, para, fazer acontecer o impossível, – palavra que para eles não existia no dicionário. Cada sonho era uma premonição.
Berta quase não dormia à noite – uma permanente insônia. Muitas vezes, em plena madrugada, acordava e pedia para dona Wilma fazer sanduiches e surpreendia os mecânicos nos hangares revisando aviões que iam sair pela manhã. Acompanhava o trabalho Dava palpites e confraternizava. Para ele não tinha hora perdida. O tempo valia ouro e cada instante merecia ser vivido com intensidade. Fez da Varig. uma pequena companhia do interior do Rio Grande a maior empresa aérea da América Latina.
Assis Cheteaubriand, envolvido com o sucesso da televisão não tinha hora certa para invadir a redação atrás da notícia que buscava afanosamente – como que um prato de comida nordestina que engolia com enorme prazer. alimentando as edições do seu Diários Associados. No lugar que estivesse, fosse onde fosse, fazia um dos seus portentosos escritos. Envolvido em mil e uma atividades ( inclusive com o MASP. Museu criado por ele em São Paulo do qual a Varig -diga-se Berta – era transportadora participativa) Chatô considerava-se um ser extra terrestre, com o resto da humanidade regurgitando aos seus pés. O sono ficava para depois, quando aparecesse, sorrateiramente, com resultado pífio logo transformado em poeira.
Juscelino, gravou seu nome na história com a construção de BRASÍLIA dentro do Plano de Metas definido pelo slogan que caracterizou o movimento – “ 50 ANOS EM 5″ – numa amostragem da velocidade necessária para cumprir seu desiderato, obrigando o presidente a se desdobrar ao máximo, junto com sua equipe de técnicos e os “candangos com suas dificuldades de relacionamento. JK. ficava insone dois a três dias seguidos, para acompanhar os trabalhos que não paravam e discutir com a equipe técnica o andamento da obra, que a oposição chamava de “monstrengo.” Seguidamente era flagrado por câmeras indiscretas, vencido pelo ardor das batalhas diárias, derrotado pela exaustão que lhe consumia, mas logo refeito pelo ânimo revigorante do seu inquebrantável ideal Depois de concluída ( 1955/1960), BRASÍLIA viria a tornar-se uma das construções mais notáveis do mundo.
O trio vigoroso tinha muita coisa em comum,. desde a forma de tomar decisões antecipando-se aos fatos. Líderes autênticos eram personagens fantásticas nos seus acertos e erros. Verdadeiras máquinas de pensar e buscavam objetivos que somente iniciativas arrojadas poderiam contemplar. Tomados por grande agitação pelo que fazer, o dia parecia para cada um girar além das 24 horas dos simples mortais. Dormir era desperdício. Viviam acesos o tempo todo só parando derrubados pelo cansaço. Não escolhiam momento e nem lugar para caírem em um cochilo reparador. Era o descanso do guerreiro do qual ninguém tinha a coragem de perturbar.
A revolução de 64 finalmente varreu do cenário a ideia da AEROBRÁS. Antes, .premido pelas circunstâncias, Berta passou a diversificar as atividades da Fundação criando novas oportunidades de trabalho para seus funcionários. No início dos anos 60 a aviação comercial brasileira vivia uma séria crise, dependendo cada vez mais dos favores do governo federal. Esse quadro, alimentado pela existência da Petobrás, Eletrobras e outros institutos estatais, fazia com que o movimento prosperasse em favor da Aerobrás, deixando Berta e o pessoal da Varig em grande tensão. Apesar do otimismo do ingresso dos jatos, Berta chegou ao ponto de planejar e por em prática a criação da Agrobrás, usando verba da Varig e da Fundação dos Funcionários, crente que estava perto um enlace negativo. Era um novo negócio, do qual tinha amplo conhecimento (convidado para ser Ministro da Agricultura.no governo Juscelino) capaz de ser alternativa de sobrevivência para todo o grupo tal a delicadeza da situação . Berta chegou a temer pelos destinos da Varig, no episódio de 63, em pleno governo de João Goulart.
Para se precaver de possível intervenção a Fundação passou a investir pesadamente em outros ramos de atividade, incluindo pecuária com granjas e fazendas, destacando-se a criação de gado holandês importado do Uruguai, adquirido para implementar o povoamento do campo. O objetivo era a instalação de uma indústria de laticínios capaz de atender as necessidades de consumo nos armazéns da Fundação e nos serviços de bordo da empresa. Havia plantação de soja, trigo e milho, tudo aproveitado para uso interno, No inicio de 1966, Berta buscava implementar a avicultura através do aumento da produção da carne de corte ampliando o sistema de granjas, iniciativa que já acontecia em Porto Alegre e São Paulo. Esperava criar um novo núcleo no Sítio de Agua Preta, próximo a cidade de Recife, a fim de abastecer o Norte. Com o programa procurava colocar a carne de aves no mercado por ser mais barata do que a do gado. -“aumentando as possibilidades de alimentação protéica do nosso povo ensinava. ele.
As seleções eram conduzidas na Granja Yatil em Porto Alegre, de propriedade da Fundação, sob a competente direção do dr. Jorge Abreu, do Ministério da Agricultura. Neste mesmo ano, no mês de dezembro, Berta veio a falecer, não tendo ocasião de ver concretizados seus planos nesta área. O projeto, no entanto, teve continuidade na gestão de Erik de Carvalho. Os adversários de Berta chegaram a acusá-lo de desviar dinheiro das subvenções governamentais para engordar outros tipos de negócios,. obrigando os funcionários a investirem como acionistas, buscando segurança para enfrentarem um futuro incerto. Quem quisesse ter seu próprio negócio ( desde que não fosse no transporte aéreo) fora da empresa. não era molestado e representava uma atitude de precaução. Muitos colegas chegaram a ter outros negócios paralelos. que eram tocados por sócios ou familiares, sem nunca serem molestados. A nossa família, por exemplo, comandada por meus filhos,(Doca e Beto), teve pizzaria chamada Espaço Aéreo, com layout tendo a Varig como tema, (anos 80). Considerada o “templo da aviação” com um serviço e qualidade do produto que encantava.
Até a minha saída da Varig, depois de quase quarenta anos de serviço, convivi com todos os presidentes históricos. Um deles, no quesito “gente” foi Helio Smidt, com quem tive um relacionamento pessoal e profissional, intenso. Ocupando o cargo de gerente regional de propaganda e imprensa e depois diretor e um dos fundadores da Expressão Brasileira de Propaganda, Agência do grupo, sempre que ele vinha ao Sul eu o recebia no aeroporto junto com a diretoria, quando era definida estratégia para o encontro com a mídia local, interessada em saber das novidades da marca Varig, então uma expoente na aviação mundial. Na época, os mais importantes órgãos da imprensa brasileira tinham sucursal em Porto Alegre, e qualquer novidade virava notícia nacional, as vezes com repercussão no exterior. Hélio Smidt tinha um carisma pessoal, personalidade cativante. Era atencioso com todos mantendo uma postura de gentleman .A vitória mais simples ele comemorava como uma conquista – quando bolou um guardanapo especial anexado num dos botões do vestuário do passageiro, brindou com o pessoal de bordo, mandando acrescentar no cantinho da peça HS bordado
Ele ingressou na Varig aos 19 anos como auxiliar de escritório, convidado pelo seu tio (Ruben Berta) na época presidente da empresa, Teve que abandonar seu emprego na Nestlé onde tinha iniciado aos 13 anos de idade permanecendo por 7 anos, para aceitar o convite ganhando 170 mil reis (salário mínimo na época) Recém chegado a empresa recebeu a missão de viabilizar economicamente a pioneira linha aérea que ligava Porto Alegre à cidade de Rio Grande. Sem carga para carregar no voo de retorno, o jovem chefe do departamento de vendas imaginou transportar filé de lingado congelado para capital gaúcha.. A iniciativa obteve êxito e com ela uma carreira promissora
Mais tarde, Smidt sentiu-se naturalmente tentado a seguir uma carreira como piloto, mas foi surpreendido por Berta tendo de interromper o curso. Transferido para o Rio de Janeiro, em 1946,foi para São Paulo em 1950. onde morou por 18 anos. Após12 anos do seu ingresso na companhia em 1957, assume o cargo de diretor regional e, em 61, galga ao posto de diretor de administração do conglomerado formado com a aquisição da Real Transportes Aéreos e outras empresas de menor ´porte. Posteriormente acompanhou a incorporação das rotas da Panair, com os aviões da Varig assumindo os voos para a Europa, num prazo de 24 horas.
O afastamento de Erik de Carvalho vitimado por um derrame cerebral, levou Helio Smidt à presidência da Varig em abril de 1980, época que o setor da propaganda e imprensa manteve-se em evidência com a criação da Expressão Brasileira de Propaganda. Eu atendia o Setor Sul englobando além do Rio Grande do Sul, minha sede, Santa Catarina e Paraná . Assim como acontecia aqui, sempre que o presidente se deslocava para qualquer dos dois estados vizinhos eu estava presente, acompanhando seus passos, coisa que gerou admiração mútua mais intima entre nós, até amizade.. Certa vez, ele foi conduzido para ser entrevistado num canal de televisão em Curitiba. Antes, dei um panorama da situação da capital sob vários aspectos, anotando nome dos entrevistadores e outras coisas mais. Como eu esperava ele deu conta do recado de forma brilhante. No final, quando entravamos no hotel ele pediu minha opinião. Na verdade foi excelente, argumentei: “apenas um pequeno detalhe foi esquecido – num evento dessa magnitude responder com mão no bolso não é o melhor comportamento” e caímos os dois em gargalhadas. Fatos, assim, demonstravam o grau de intimidade que se criou entre nós, como um time bem treinado que sabe jogar em conjunto..
Mesmo eleito presidente, ele achava tempo para confraternizar, especialmente quando o evento reunia membros do Colégio Deliberante da Fundação O pessoal de São Paulo organizou um torneio de futebol sete (Taça da Amizade) para inaugurar a cancha no Recreio Chuvisco. O nosso time era muito bom e derrotou paulistas e cariocas. No final houve agradável confraternização. Helio fez questão de entregar o troféu de campeão, que coube a mim receber, como capitão do time gaúcho, Outro momento que marcou nossa amizade, aconteceu em Porto Alegre, na festa da comemoração dos meus 35 anos de Varig, junto com demais colegas agraciados pelo mesmo motivo. O diretor regional, Erni Peixoto, se movimentou para participar da entrega do diploma, e um distintivo de lapela mas quem veio ao nosso encontro (Geny estava comigo) foi o presidente e sua esposa, dona Norma – ele fazendo sinal para o colega segredando – ” Esse é meu”
Voltando a morar no Rio de Janeiro ele descobriu que sofria de câncer. Então iniciou uma série de viagens aos Estados Unidos a fim de buscar tratamento. Ao invés de passar seus dias de folga ( ele continuava trabalhando) podendo usufruir qualquer grande capital do mundo, preferiu o balneário de Imbé, onde havia passado os dias inesquecíveis da juventude. A família adquiriu bela casa fronteira ao “Lago Morto” que recebeu o nome de Hélio Smidt,(ainda em vida) numa homenagem merecida, iniciativa da Prefeitura Municipal prontamente atendida.Quando assumiu o comando da Varig, nos anos 80, Smidt logo buscou por em prática um plano de modernização da frota, dando continuidade a direção que estava sucedendo… Apesar de enfrentar sérias dificuldades, pela política vigente no país, conseguiu vencer obstáculos quase intransponíveis, alcançando seu intento. – implantou no Brasil a era do jato com a aquisição do espetacular Boeing 747 – 300,( maior jato comercial do mundo) e revigorando a frota com os notáveis MD-11 e 767 – 300. chegando a nível de excelência. Modernizou o equipamento da Cruzeiro e da Varig com a introdução do Airbus, oferecendo excelente padrão de conforto aos passageiros
Após exatos 10 anos na presidência da Varig, em 11 de abril se 1990, a doença o vitimou aos 64 anos. Faleceu no Memorial Sloan-Kettering Hospital, em Manhattan. Seu corpo foi trazido ao Brasil num DC-10-30 da empresa. Seus restos mortais, numa última viagem entre os aeroportos de Guarulhos e Congonhas, foram transportados por um Electra, seu avião preferido