Browsed by
Mês: Agosto 2022

Historinhas do Museu Varig

Historinhas do Museu Varig

BERTA E O MEDO DE VOAR EM PLANADORES

 

Para os pilotos  brasileiros, em aprendizado, voar em Planador era encontro com deuses – 

Para Berta não era tudo isso.

Finalmente,  Berta mostrou seu ponto fraco depois de voar no Biguá e fazer  pouso forçado –   num misto de raiva e pavor – “Onde diabos vocês foram arrumar um cabo tão vagabundo?” Depois deu dor de barriga e ele nunca mais quis  voar em Planador – coisa que não acontecia na formação dos pilotos  brasileiros. Para eles, voar de Planador era um encontro com os  deuses.- para Berta nem tanto.

Planador Gaivota , em primeiro plano, era atração no Museu Varig

 Segundo  Dinis Campos, primeiro secretário da VAE, me revelou em entrevista para o Boletim do Museu, Ruben Berta voou  uma só vez no Biguá sob o comando de Ruhl. Logo na primeira curva a menos  de 100 metros de altura, o cabo do reboque quebrou, Graças a perícia do piloto, o planador passou entre uma árvore e uma casa e pousou numa faixa de terreno baldio. Depois deste acontecimento Berta nunca mais quis saber de Planador. Num grande esforço de toda a equipe de colaboradores, em especial com a ajuda do colega Jaime Meneghini o Biguá foi recuperado, assim como o Gaivota, tempos depois, colocado em exposição no teto do Museu, tornando-se uma das maiores atrações do local. O avião que foi construído em 1938, na VAE, ficou notabilizado entre outras peripécias, pelas demonstrações que fez na Parada da Mocidade e nas comemorações do Dia do Aviador. No entanto, ele serviu, especialmente, como instrumento de formação para treinar  inúmeros pilotos, que chagaram a tripular os modernos jatos da empresa.

Ruhl e Dinis Campos, com comandantes recém formados, tendo ao fundo o Planador Biguà

A formação dos pilotos  brasileiros era uma exigência do governo do Estado, então o maior acionista da Varig. Com os planadores construídos na VAE, Otto Meyer deu início a grande aventura. Logo  que foi criada a Varig procurou  formar pilotos brasileiros. Existia uma preocupação por parte de Meyer neste sentido. Com a organização da VAE ( Varig Aéreo Esporte) em 1937, após Carlos Ruhl haver realizado diversos cursos na Alemanha, a empresa passou a divulgar a viação desportiva com o uso de planadores construídos em suas próprias oficinas,

Na formatura de mais uma turma, contando com a presença de Otto Meyer (de branco) um grande incentivador da VAE

O Gaivota e o Biguá marcaram  época, participando de diversas apresentações públicas. Com o Biguá eram feitos diversos voos de propaganda e passeios com autoridades, convidados especiais e imprensa. Ruhl fez as mais lindas acrobacias que já havíamos visto, O Interventor Federal , Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, voou no Biguá, recordado por ele  “como uma das maiores sensações de sua vida” Em 1943 o Ministro Salgadp Filho também gozou dos prazeres do Biguá.

COCHILO REPARADOR – DORMIR ERA DESPERDICIO PURO

COCHILO REPARADOR – DORMIR ERA DESPERDICIO PURO

O dia era pequeno para tanta ousadia.

 

O cenário dos anos 60 foi rico em figuras notáveis como Ruben Berta, sempre pioneiro com sua Varig, já pensando em dar a volta ao mundo  – Assis Chateaubriand, ampliando o reino da comunicação com os  Diários Associados inaugurando o advento da televisão no Brasil e Juscelino Kubitschek, construindo em tempo recorde o milagre de Brasília introduzindo no Pais a era da modernidade definindo, na somatória das forças, a obstinação dos vencedores

Eles guardavam características. Assemelhavam-se, transformando  ideais em metas para serem alcançadas.. Qualquer cochilo era suficiente para revigorar forças e manter olhos bem abertos, não importando tempo e espaço, para, fazer acontecer o impossível, – palavra que para eles não existia no dicionário. Cada sonho era uma premonição.

Berta quase não dormia à  noite – uma permanente insônia. Muitas vezes, em plena madrugada, acordava e pedia para dona Wilma fazer sanduiches e surpreendia os mecânicos nos hangares revisando aviões que iam sair  pela manhã. Acompanhava o trabalho Dava palpites e confraternizava. Para ele não tinha hora perdida. O tempo valia ouro  e cada instante merecia ser vivido com intensidade. Fez da Varig. uma pequena companhia do interior do Rio Grande a maior empresa aérea da América Latina.

Assis Cheteaubriand, envolvido com o sucesso da televisão não tinha hora certa para invadir a redação atrás da notícia que buscava afanosamente – como que um prato de comida nordestina que engolia com enorme prazer. alimentando as edições do seu Diários Associados. No lugar que estivesse, fosse onde fosse, fazia um dos seus portentosos escritos. Envolvido em  mil e uma atividades ( inclusive com o MASP. Museu criado por ele em São Paulo do  qual a Varig -diga-se Berta – era transportadora participativa) Chatô considerava-se um ser extra terrestre, com o resto da humanidade regurgitando aos seus pés. O sono ficava para depois, quando aparecesse, sorrateiramente, com resultado  pífio logo transformado em poeira.

  Juscelino, gravou seu nome na história com a construção de BRASÍLIA  dentro do  Plano de Metas definido pelo slogan  que caracterizou  o movimento – “ 50 ANOS EM 5″ – numa amostragem da velocidade necessária para cumprir seu desiderato, obrigando o presidente a se desdobrar ao máximo, junto com sua equipe de técnicos e os “candangos com suas dificuldades de relacionamento. JK. ficava insone dois a três dias seguidos, para acompanhar os trabalhos que não paravam e discutir com a equipe técnica o andamento da obra, que a oposição chamava de “monstrengo.” Seguidamente era flagrado por câmeras indiscretas, vencido pelo ardor das batalhas diárias, derrotado pela exaustão  que lhe consumia, mas logo refeito pelo ânimo revigorante do seu inquebrantável ideal  Depois de concluída ( 1955/1960),  BRASÍLIA viria a tornar-se  uma das construções mais notáveis do mundo.

Entre Brasília e Rio de Janeiro – cortesia Varig sem pesadelos

O trio vigoroso tinha muita coisa em comum,. desde a forma de tomar decisões antecipando-se  aos fatos. Líderes autênticos eram personagens fantásticas nos seus acertos e erros. Verdadeiras máquinas de pensar e buscavam objetivos que somente iniciativas arrojadas poderiam contemplar. Tomados por grande agitação pelo que fazer, o dia parecia para cada um girar além das 24 horas dos simples mortais. Dormir era desperdício. Viviam acesos o tempo todo  só  parando derrubados pelo cansaço. Não  escolhiam momento e nem lugar para caírem  em um cochilo reparador. Era o descanso do guerreiro do qual ninguém tinha a coragem de perturbar.

AGROBRÁS E A FUNDAÇÃO

AGROBRÁS E A FUNDAÇÃO

BERTA – O REI DO GADO E MUITO MAIS

A revolução de 64 finalmente varreu do cenário a ideia da AEROBRÁS. Antes, .premido pelas circunstâncias, Berta passou a diversificar as atividades da Fundação criando novas oportunidades de trabalho para seus funcionários. No início dos anos 60 a aviação comercial brasileira vivia uma séria crise, dependendo cada vez mais dos favores do governo federal. Esse quadro, alimentado pela existência da Petobrás, Eletrobras e outros institutos estatais, fazia com que o movimento prosperasse em favor da Aerobrás, deixando Berta e o pessoal da Varig em grande tensão.  Apesar do otimismo do ingresso dos jatos, Berta chegou ao ponto de planejar e por em prática a criação  da Agrobrás, usando verba da Varig  e da  Fundação dos Funcionários, crente que estava perto um enlace negativo. Era um novo negócio, do qual  tinha amplo conhecimento (convidado para ser Ministro da Agricultura.no governo Juscelino) capaz de ser alternativa de sobrevivência para todo o grupo tal a delicadeza da situação . Berta chegou a temer pelos  destinos da Varig, no episódio de 63, em pleno governo de João Goulart.

Para se precaver de possível intervenção a  Fundação passou a investir pesadamente em outros ramos de atividade, incluindo pecuária com granjas e fazendas, destacando-se a criação de gado holandês importado do Uruguai, adquirido para implementar o povoamento do campo. O objetivo era a instalação de uma indústria de laticínios  capaz de atender as necessidades de consumo nos armazéns da Fundação e nos serviços de bordo da empresa. Havia plantação de soja, trigo e milho, tudo aproveitado para uso interno,  No inicio de 1966, Berta buscava implementar a avicultura através do aumento da produção da carne de corte ampliando o sistema de granjas, iniciativa que já acontecia em Porto Alegre e São Paulo.  Esperava  criar um novo núcleo no Sítio de Agua Preta, próximo a cidade de Recife, a fim de abastecer o Norte. Com o programa procurava colocar a carne de aves no mercado por ser mais barata do que a do gado. -“aumentando as possibilidades de alimentação protéica do nosso povo  ensinava. ele.

As seleções  eram conduzidas na Granja Yatil em Porto Alegre, de propriedade da Fundação, sob  a competente direção do dr. Jorge Abreu, do Ministério da Agricultura. Neste mesmo ano, no mês de dezembro, Berta veio a falecer, não tendo ocasião de ver concretizados seus planos nesta área. O projeto, no entanto, teve continuidade na gestão de  Erik de Carvalho. Os adversários de Berta chegaram a acusá-lo de desviar dinheiro das subvenções governamentais para engordar outros tipos de negócios,. obrigando os funcionários a investirem como acionistas, buscando segurança para enfrentarem um futuro incerto. Quem quisesse ter seu próprio negócio ( desde que não fosse no transporte aéreo) fora da empresa. não era molestado e representava uma atitude de precaução. Muitos colegas chegaram a ter outros negócios paralelos. que eram tocados por sócios ou familiares, sem nunca serem molestados. A nossa família, por exemplo, comandada por meus filhos,(Doca e Beto), teve pizzaria chamada Espaço Aéreo, com layout  tendo a Varig como tema, (anos 80). Considerada o “templo da aviação” com um  serviço e qualidade do produto que encantava.

VARIG – NOS TEMPOS DE HELIO SMIDT

VARIG – NOS TEMPOS DE HELIO SMIDT

Um presidente de corpo e alma

Até a minha saída da Varig, depois de quase quarenta anos de serviço, convivi  com todos os presidentes históricos. Um deles, no quesito “gente”  foi Helio Smidt, com quem tive um relacionamento  pessoal e profissional, intenso. Ocupando o cargo de gerente regional  de propaganda e imprensa e depois diretor  e um dos fundadores da  Expressão Brasileira de Propaganda, Agência do grupo, sempre que ele vinha ao Sul eu o recebia no aeroporto junto com a diretoria, quando era definida estratégia para o encontro com a mídia local, interessada em saber das novidades da marca Varig, então uma expoente na aviação  mundial. Na época, os mais importantes órgãos da imprensa brasileira tinham  sucursal em Porto Alegre,  e qualquer novidade virava notícia nacional, as vezes com repercussão no exterior. Hélio Smidt tinha um carisma pessoal,  personalidade cativante. Era atencioso com todos mantendo  uma postura de  gentleman .A vitória mais simples ele comemorava como uma conquista  –  quando bolou um guardanapo especial anexado num dos botões do  vestuário do passageiro, brindou com o pessoal de bordo, mandando acrescentar no cantinho da peça HS bordado

Helio Smidt quando presidente da Varig, fez sua última aparição pública em Porto Alegre. no Palácio do Comercio, dissertando sobre a aviação comercial e a modernização da frota da Varig.

 

Ele  ingressou na Varig aos 19 anos como auxiliar de escritório, convidado pelo seu tio (Ruben Berta) na época presidente da empresa, Teve que abandonar seu emprego na Nestlé onde tinha iniciado aos 13 anos de idade permanecendo  por 7 anos,  para aceitar o  convite ganhando 170 mil reis (salário mínimo na época) Recém chegado a empresa recebeu a missão de viabilizar economicamente a pioneira linha aérea que ligava Porto Alegre à cidade de Rio Grande. Sem carga para carregar no voo de retorno, o jovem chefe do departamento de vendas imaginou transportar filé de lingado congelado para capital gaúcha.. A iniciativa obteve êxito e com ela uma carreira promissora
Mais tarde, Smidt sentiu-se naturalmente tentado  a seguir uma carreira como piloto, mas foi surpreendido por Berta tendo de interromper o curso. Transferido para o Rio de Janeiro, em 1946,foi para São Paulo em 1950. onde morou por 18 anos. Após12 anos do seu ingresso na companhia em 1957, assume o cargo de diretor regional e, em 61, galga ao posto de diretor de administração do conglomerado formado com a aquisição da Real Transportes Aéreos e outras empresas de menor ´porte. Posteriormente acompanhou  a incorporação das rotas da Panair, com os aviões da Varig assumindo os voos para a Europa, num prazo de 24 horas.
O afastamento de Erik de Carvalho vitimado por um derrame cerebral, levou Helio Smidt à presidência da Varig em abril de 1980, época que o setor da propaganda e imprensa   manteve-se em evidência com a criação da Expressão Brasileira de Propaganda. Eu atendia o Setor Sul englobando  além do Rio Grande do Sul, minha sede, Santa Catarina e Paraná . Assim como  acontecia aqui, sempre que o presidente se deslocava para qualquer  dos dois estados vizinhos eu estava presente, acompanhando seus passos, coisa que gerou admiração mútua mais intima entre nós, até amizade..   Certa  vez, ele foi conduzido para ser entrevistado num canal de televisão em  Curitiba. Antes, dei um panorama da situação da capital  sob vários aspectos, anotando nome dos entrevistadores e outras coisas mais. Como eu esperava  ele deu conta do recado de forma brilhante. No final, quando entravamos no hotel ele pediu minha opinião. Na  verdade foi excelente, argumentei: “apenas um pequeno detalhe foi esquecido – num evento dessa magnitude responder com mão no bolso não é o melhor comportamento” e caímos os dois em gargalhadas. Fatos, assim, demonstravam o grau de intimidade que se criou entre nós, como um time bem treinado que sabe jogar em conjunto..

Na época eu editava a Revista Espaço Aéreo de minha propriedade sem prejudicar atividade na empresa. Ao contrario, servia como bandeira nos interesses da companhia o que somava pontos junto a direção e colegas. Especializada em aviação e turismo nunca teve concorrência nos 20 anos que existiu O assunto abordado, pela sua relevância , mereceu capa, que por sua vez deixou o presidente entre surpreso e encantado. Em seguida , no estilo Berta, num dos seus famosos bilhetinhos. expressou sua satisfação – “Prezado Albuquerque- Grato pelo “tiro” disparado em tua última edição e principalmente pela foto que até eu mesmo desconhecia. A reportagem está ótima e bastante ilustrativa. Excelente mesmo. Meus parabéns em nome de vocês todos. Meu obrigado e abraço” Hélio Smidt

Mesmo eleito presidente, ele achava tempo para  confraternizar, especialmente quando o evento reunia membros do Colégio Deliberante da Fundação  O pessoal de São Paulo organizou um torneio de futebol sete (Taça da Amizade) para inaugurar a cancha  no Recreio Chuvisco. O nosso time era muito bom e derrotou paulistas e cariocas. No final houve agradável confraternização. Helio  fez questão de entregar o troféu de campeão, que coube a mim receber, como capitão do time gaúcho, Outro momento que marcou nossa amizade, aconteceu em Porto Alegre, na festa da comemoração dos meus 35 anos de Varig, junto com demais colegas agraciados  pelo mesmo motivo. O diretor regional, Erni Peixoto, se movimentou para participar da entrega do diploma, e um distintivo de lapela mas quem veio ao nosso encontro (Geny estava comigo) foi o presidente e sua esposa, dona Norma  – ele  fazendo sinal para o colega segredando – ” Esse é meu”

Voltando a morar no Rio de Janeiro  ele descobriu que sofria de câncer. Então iniciou uma série de  viagens aos Estados Unidos a fim de  buscar tratamento. Ao invés de  passar  seus dias de folga ( ele continuava trabalhando) podendo usufruir qualquer grande capital do mundo, preferiu o balneário de Imbé, onde havia passado os dias inesquecíveis da juventude. A família  adquiriu bela casa  fronteira ao “Lago Morto” que recebeu o nome de Hélio Smidt,(ainda em vida) numa homenagem merecida, iniciativa da Prefeitura Municipal  prontamente atendida.Quando assumiu o comando da Varig, nos anos 80, Smidt logo buscou por em prática um plano de modernização da frota, dando continuidade a direção que estava sucedendo… Apesar de enfrentar sérias dificuldades, pela política vigente no país, conseguiu vencer obstáculos quase intransponíveis, alcançando seu intento. – implantou no Brasil a era do jato com a aquisição do espetacular  Boeing 747 – 300,( maior jato comercial do mundo) e revigorando a frota com os notáveis  MD-11 e 767 – 300. chegando a nível de excelência. Modernizou o equipamento  da Cruzeiro  e da Varig com a introdução do Airbus, oferecendo excelente padrão de conforto aos passageiros

Após exatos 10 anos na presidência da Varig, em 11 de abril se 1990, a doença o vitimou aos 64 anos. Faleceu no Memorial Sloan-Kettering Hospital, em Manhattan. Seu corpo foi trazido ao Brasil num DC-10-30 da empresa. Seus restos  mortais, numa última  viagem entre os aeroportos de Guarulhos e Congonhas, foram transportados por um Electra, seu avião preferido