O relacionamento de Meyer e Berta com os Bertaso, da Livraria do Globo, depois editora, era antigo. Vinha dos tempos da fundação da empresa, imprimindo os títulos acionários na época da criação da Varig. Depois, a aproximação ganhou vulto quando em 1955 a Varig iniciou os voos para Nova York, transformando a simplicidade de uma empresa regional numa complexa organização internacional com suas vantagens e seus múltiplos problemas. Esse fato teve que receber uma série de mudanças comportamentais e estratégicas incluindo um avanço na área de comunicação e marketing, capaz de enfrentar a gigante americana PANAM, sua concorrente direta na linha para o exterior. Na época, a Varig valeu-se da livraria para a papelada e a editora para a confecção da revista interna Ícaro, tendo como secretário de redação o funcionário Antônio Acauãn, que terminou ocupando o cargo da nova Superintendência de Propaganda e Marketing criada por Berta para enfrentar a concorrência da gigante americana Panam, e outras congêneres que beliscavam o mesmo trajeto. (A marca Ícaro seria usada novamente nos anos 80, como revista de bordo, alcançando grande repercussão).
Nos anos cinquenta, um dos meus estágios obrigatórios no Curso de Jornalismo da PUCRS (bolsa de estudos dada por Berta) fui exercer aprendizado na Editora Globo. Um dos primeiros trabalhos foi para a revista Cacique, órgão da Secretaria de Educação, no tempo do governador Brizola (que já tinha utilizado a expertise da Globo para imprimir as suas famosas Brizoletas) . A Cacique feita em seleção de cores dava suporte a um programa veiculado na rádio Guaíba, que alcançava o público infantil com grande audiência. Para a revista eu escrevia textos ilustrados por Renato Canini, então jovem como eu, considerado como um dos maiores desenhistas do país, notabilizado pelos trabalhos feitos para a Disney, aqui no Brasil. A Cacique, sucesso editorial dos anos 50, foi idealizada e produzida pela professora Maria da Gloria de Albuquerque, querida tia, a quem rendo aqui minhas homenagens
Na livraria do Globo, eu tive oportunidade de conviver com o consagrado escritor Erico Verissimo, acompanhando de perto sua carreira de sucesso. Pelo menos no início ele gostava de escrever para o público infantil, assunto que nos aproximava. Erico, como bom gaúcho, sempre preferiu a Varig em suas andanças pelo mundo e não se cansava de elogiar o trabalho desenvolvido por Berta, de quem era amigo e admirador. Por trabalhar na Varig, de imediato ganhei a sua simpatia. Cada viagem que ele fazia, sozinho a serviço, ou a lazer, com a família, vinha descrever em minucias a qualidade do atendimento e o prazer e a segurança que a tripulação da Varig lhe transmitia. Depois, convivendo com o jornalista Alberto André, político e professor emérito das aulas da PUC, tomei conhecimento de um lado político pouco mencionado na biografia de Erico. Ele tinha sido o primeiro presidente da Associação Riograndense de Imprensa ( ARI) num período delicado da vida pública do Brasil, quando Getúlio implantava o Estado Novo .
Matéria para o próximo Sexta Espetacular – Documento revela episódio dramático vivido por Erico Verissimo, em 1937 no Estado Novo. de Vargas.
Assim que Jânio assumiu mostrou determinação em criar novas diretrizes para a aviação comercial. Comentava-se, na ocasião, que havia interesse ´por parte do presidente em salvar a Real, fazendo um negócio que desse resultado aos seus acionistas, especialmente a Lineu Gomes, então bastante adoentado. Era uma retribuição, ao apoio e gastos na campanha eleitoral. Berta estava em Nova York quando Jânio deu o ultimato: – Erapegar ou largar. Caso Berta não assumisse o Consórcio, seria criada a tão temível AEROBRAS, rechaçada pelo presidente da companhia gaúcha.
Esse mesmo argumento seria decisivo, anos depois, quando da mesma ameaça feita pelo governo militar no episódio da aquisição da Panair. Comunicado por Erik de Carvalho sobre a decisão do presidente, Berta não titubeou e deu ordens para confirmar a aquisição, deixando os valores e forma de negociação para a sua volta ao Brasil. Casualmente, ou mesmo por querer, Jânio aproveitou a saída de Berta para exigir a palavra final sobre o conturbado assunto.
A compra saiu caro para a Varig, feita em dinheiro vivo. Os interesses políticos aceleraram os entendimentos, deixando Berta sem opção para barganhar. Desconhecendo os meandros do acordo, ninguém entendeu porque a Varig pagou por uma empresa à beira da falência, quando tudo era apenas uma questão de tempo. Berta, pressionado por Jânio e esperando do presidente substancial ajuda e apoio, conforme prometido, antecipou a compra fazendo a Fundação gastar um dinheiro que não constava nos seus planos. O negócio foi fechado entre Berta e Lineu em pleno aeroporto Santos Dumont por quase dois bilhões de cruzeiros, ficando a Varig com 85% das ações – A Fundação já havia comprado parte (50% da Aerovias). Além do alto valor desembolsado somavam-se dividas diversas e problemas com a frota canibalizada incluindo a diversidade de equipamentos e encomendas indesejáveis feitas a última hora- uma verdadeira bomba.
Segundo declarações de Berta em documento enviado ao diretor geral da Aeronáutica Civil Brigadeiro do Ar, Henrique Fleiuss, depois apresentada em reunião do Colégio Deliberante da Fundação, logo que assumiu as rédeas do governo Jânio Quadros não demorou em convocar à sua presença os dirigentes da Real, Panair e Varig, destes exigindo que no mais breve espaço de tempo, formassem uma só companhia brasileira de transporte aéreo para o exterior, de cuja necessidade o haviam convencido as viagens que realizara ao redor do mundo. Nesse processo devia ser nacionalizada a Panair, pois desejava “que uma só asa brasileira e brasileira fosse, existisse”. E disse mais, “que era inimigo jurado da estatização e que em seu governo não se formaria uma AEROBRAS exceto se à tanto o forçassem os industriais com individualismo e incompreensões – que o governo pretendia cancelar os favores cambiais que vinham sendo concedidos à aviação civil do país, mas que, em contrapartida, lhe daria subvenção direta a fim de conservar as tarifas acessíveis ao público em geral. De nada adiantou, na hora, os esclarecimentos das dificuldades que execução de um programa dessa natureza acarretaria a todos nós.” Era necessário que a Panair, dentro de seis meses estivesse purgada de interesses estrangeiros para incorporar-se à empresa brasileira única internacional. Segundo Berta a ordem era essa. Por força da determinação iniciaram-se as negociações entre a Varig e a Real, como primeiro passo para formar-se uma só empresa para o exterior. Desse propósito resultou, pouco depois, o acerto em que a Varig compraria 50% das ações da Aerovias Brasil, conservava a segunda parte dessa propriedade para juntas tentarem resolver o problema das linhas internacionais brasileiras no continente americano e para o Japão.
Quando assim se dispunham as coisas, descobriu a Varig que o processo de decomposição do Consórcio Real havia avançado de tal maneira, que se tornava sem condições de participar ativamente do programa de expansão de uma grande empresa internacional, com dificuldades de manter no ar seus próprios aviões – seis meses não importava mais peças, com dificuldades financeiras e técnicas. O saneamento só poderia ocorrer com o afastamento de indivíduos cujo procedimento havia trazido ao estado de insolvência da empresa. Esse cenário ameaçava arrastar pera o fundo do torvelinho inclusive a Varig, acabando com a suposta tranquilidade dos seus dirigentes. Real vinha transferindo recursos do seu patrimônio. Em1961 estava falida. Tinha patrimônio negativo e sua compra era negócio que ninguém entendia, obrigando Berta a dar explicações na Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar a Crise da Aviação Comercial Brasileira, na Câmara dos Deputados. Para quem não conhecia a intimidade da negociação, a compra se oferecia como um mau negócio e o argumento dos empregos era demagógico. Nem Jânio, nem Lineu estavam preocupados com os mesmos e nada fizeram quando depois cerca de 1000 funcionários foram demitidos. Eles simplesmente saíram de cena. Lineu Gomes faleceu vítima de séria doença. Jânio Quadros renunciou emitindo uma frase de forma enigmática: “Fui vencido pela reação e, assim, deixo o governo”. Restou para a Varig, sob o comando de Berta, descascar o abacaxi, transformando com esforço inaudito e muito talento um grande problema numa solução vitoriosa.
Ao entrevistar o Cmte. Bordini para a revista Contato da APVAR vieram à tona fatos lamentáveis sobre o estado em que encontrava a Real e como os problemas foram sanados por Berta, em tempo recorde. Em fins de 1960, Rubens Bordini foi eleito vice-presidente da Fundação dos Funcionários, sendo nomeado vice-presidente da Varig, indo atuar em São Paulo. Ele começou a viajar ao longo das linhas internacionais de Los Angeles a Miami- Encontrei tudo em tal estado de abandono e desorganização, que resolvemos cancelar a linha para Tóquio e suspender as operações para os Estados Unidos, relatou ele. Com a aquisição das ações do Consórcio Real Aerovias Nacional – Aeronorte, Bordini passou a comandar o sistema, atuando em São Paulo de 1961 até1963, quando da extinção do Consórcio. A Varig foi dividida em RAI (Rede Aérea Internacional) e RAN ( Rede Aérea Nacional) com a liderança de Berta. Quando foi criada a Varig RAN o principal trabalho de organização estava feito, com as situações de tráfego e finanças bastante melhor. Berta conseguiu vender bem os CV- 340 e os CV-440 da Real e renegociou os Electra II. Em 1965, Bordini aposentou-se voltando ao Rio Grande do Sul, onde continuou prestando colaboração a Varig na área de ensino. Por sua vez, a aquisição da Real representou um passo fundamental para a afirmação da Varig no contexto internacional. Junto veio uma série de dificuldades que Berta soube transformar em oportunidades, fazendo da Varig, uma gigante da aviação comercial brasileira, ajudada por aviões, herança da Real, considerados indesejáveis na avaliação de Berta que, no entanto, tornaram-se protagonistas dos acontecimentos…
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Berta bebeu a agua da fonte deixando Lineu de garganta seca
Novamente, na ânsia de derrubar Berta, Lineu Gomes assumia a dianteira na grande corrida na primazia da era do jato no Brasil e botava o ovo antes da galinha. Mesmo sabendo não ter as mínimas condições de cumprir os contratos acertou a aquisição de quatro Convair – 880, convertidos para três CV – 990, buscando dar uma falsa satisfação as autoridades e a sociedade brasileira, calcada nos seus 12 milhões de passageiros transportados. Validava, ainda, a compra de três Lockeed Electra II oriundos da American Airlines, (que depois Bordini foi buscar para a Varig, apesar dos esforços de Berta para cancelar o negócio). No início, mesmo rejeitados por Berta que lutava por um padronização na frota, ambas aeronaves tiveram papel relevante como peças notórias no crescimento da Pioneira.
Seguindo o mesmo objetivo, enquanto Lineu tagarelava sem consistência, Berta foi direto a fonte, pois sabia que nada aconteceria sem o aval do futuro governo brasileiro. Convidou e levou JK numa viagem precursora com o Super Constellation recém chegado, em 1955, contatando com os grandes líderes da América do Norte e Europa. Das viagens feitas em companhia de Berta, nasceu um sonho ainda maior – implantar durante o seu mandato a era do jato no Brasil, colocando o país numa posição estratégica. Berta lançou a proposta e garantiu sua possibilidade – tudo era uma simples questão de tempo, que significava o ganho de mais uma valiosa marca para o governo e a garantia do pioneirismo, bandeira que a Varig fazia tremular deste a sua criação.
O crescimento meteórico da Real Aerovias foi destruído graças a uma infraestrutura corrompida. Lineu Gomes criara uma empresa do nada em 1945. Comprou os DC-3 a troco de banana, com pouca infraestrutura e menos gastos do que a concorrência. Detonou a guerra das Tarif as e mais tarde a dos Horários, e a Guerra das Letras, num confronto direto com Berta. Segundo registro da imprensa da época, a Real era a mais indisciplinada empresa aérea, explorando seus pilotos, exigindo uma estressante atuação. As máquinas tinham pouca manutenção. Os acidentes foram inúmeros, sendo seu presidente responsável por muitos deles, sem nunca sofrer punição. Em 1960, véspera do seu fim melancólico, mesmo sentido o azedume da falência, Lineu acreditava reverter a situação. Premido pelas circunstâncias, na espera dos jatos encomendados que não chegavam, dando incríveis mostras insensatez, inaugurou a rota do Pacífico, chegando a Tóquio (com meia dúzia de passageiros), passando por Los Angeles na grande travessia Oceânica, sem ter aeronave capaz de fazer o longo trajeto com a eficiência da concorrência, redundando num gigantesco fracasso.
De uma companhia modelo a Real passou a ser um arremedo, mostrando toda a sua fragilidade. Em um pequeno espaço de tempo, um ano antes do fim, o saldo macabro era de 180 mortos em inúmeros acidentes. Enquanto canibalizava aviões nos hangares por falta de peças de reposição e inexistência de credito, a Real fazia anúncios enganosos, disponibilizando na chamada – 300 motores de reserva, argumentando justamente o contrário da realidade. Era uma tática suicida, quando o quadro de acidentes se tornava avassalador e destruía junto a imagem da empresa considerada por muitos, até então, como modelar. Para enfrentar a Varig, como se estivesse em grande forma, anunciava em plenos pulmões um Plano Especial de Crédito, com desconto de 25% por passagem para Chicago (para seus negócios) e Miami (para suas férias). Em 1960, quando completava seu 14º aniversário, todas as comemorações foram canceladas. Não havia mais nada para festejar – apenas lágrimas de dor e um futuro que se apresentava nebuloso. Pouco tempo depois a Real fechava as portas tendo suas ações transferidas para a Varig. Um anúncio conjunto dava o ponto final ao grande duelo. Pouco tempo depois a companhia fechava as portas, tendo suas ações transferidas para a Varig.
· Próxima 6ª Espetacular (3/3) – JÂNIO, LINEU E BERTA – UMA NEGOCIATA ESCABROSA
Berta tirou o coelho da cartola e nocauteou o inimigo.
Num lance de mestre, usando as próprias armas do adversário, Berta chega antes e ganha uma batalha onde a derrota era eminente, deixando Lineu a “ver navios”.
Em 1954, ano em que fui admitido na Varig, a guerra entre Lineu Gomes e Ruben Berta fervilhava o assunto badalado nas rodas aeronáuticas e de conhecimento geral nos aeroportos do pais. Era voz corrente que a Real, captaniada por LIneu, preparava um golpe capaz de reduzir a força da oponente, que se insinuava com intenções de competir no mercado, liderada por Ruben Berta.
Com encomenda feita de fábrica na aquisição do avançado CV-340, se antecipando a Berta, Lineu Gomes esperava dar um golpe mortal nas intenções da Varig em crescer. De imediato, antes mesmo de receber a encomenda, passou a divulgar maciça campanha promocional sobre as vantagens da moderna máquina. Berta não se deu por vencido e foi pesquisar o mercado. Mais uma vez ele se valeu da Panam, sua velha conhecida, para sair de um aperto. Com faro de detetive descobriu que a empresa americana estava se desfazendo de alguns CV – 240 largados no pátio, esperando por compradores interessados. Era tudo o que ele procurava. Assim que soube da possibilidade de compra imediata, Berta mandou Bordini aos Estado Unidos para acertar a vinda de duas aeronaves, numa opção de mais sete.
Agora, a situação se invertera. O tiro saíra pela culatra e Berta é quem dava as cartas, levando de carona toda a estratégia de marketing bolada por Lineu e amplamente divulgada na mídia. Valando-se das promoções da congênere, que já tornara o avião conhecido do público – alvo com as características externas semelhantes, Berta deitou e rolou. Quando o PP-VCY pousou no Salgado Filho, toda a expectativa criada pela Real foi absorvida pela Varig com enorme ganho de imagem, tornando a vinda do CV -340 um fato de menor expressão. O -CV-240 foi utilizado na Ponte Aérea Rio – São Paulo e nas rotas domésticas, chegando a fazer voos internacionais, com excelente aceitação dos usuários. Em 1958, quatro vezes por semana, o Convair da Varig passou a ligar Porto Alegre a Montevidéu e Buenos Aires, sendo que no ano seguinte começou a fazer conexão com o voo do Super Constellation para Nova York. Eram aparelhos muito importantes para a Varig e Berta esfregava as mãos, feliz da vida, saboreando essa nova conquista.
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